Jornal Vascular Brasileiro
https://jvascbras.org/article/doi/10.1590/1677-5449.210167
Jornal Vascular Brasileiro
Editorial

Vacinas para covid-19 e complicações tromboembólicas

Covid-19 vaccines and thromboembolic complications

Marcone Lima Sobreira; Eduardo Ramacciotti; Adilson Ferraz Paschôa; Marcelo Fernando Matielo; Ivan Benaduce Casella; Guilherme Yazbek; Raphael de Athayde Soares; Bonno van Bellen; Marcos Arêas Marques

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A atual pandemia mundial causada pela doença do novo coronavírus (covid-19), iniciada na cidade de Wuhan, na China, e causada pela cepa do coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2), infectou cerca de 18,77 milhões de brasileiros, com aproximadamente 525.500 mortes, segundo dados do Ministério da Saúde até julho de 2021.

Em que pese seu amplo espectro clínico, que varia desde a forma assintomática até a síndrome respiratória aguda grave (SARS), os sintomas relacionados à inflamação do sistema vascular e à hipercoagulabilidade que levam a manifestações como vasculite de pequenos vasos e trombose micro e macrovascular de artérias e/ou veias têm chamado atenção dos angiologistas e cirurgiões vasculares1. Em uma metanálise recente com 102 estudos envolvendo 64.503 pacientes infectados pelo vírus SARS-CoV-2, a frequência de tromboembolismo venoso (TEV) relacionado à covid-19 foi de 14,7% (intervalo de confiança de 95% [IC95%]: 12,1% a 17,6%) e a de tromboembolismo arterial (TEA) foi de 4,0% (IC95%: 2,0% a 6,5%)2.

As vacinas para covid-19 licenciadas para uso emergencial no Brasil em janeiro de 2021 demonstraram ter segurança e eficácia satisfatórias em estudos clínicos, e, apesar da rapidez nos seus desenvolvimentos, todas passaram obrigatoriamente por rígidos protocolos e tiveram seus dados avaliados por especialistas independentes e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A vacinação elimina ou reduz drasticamente o risco de adoecimento ou das formas graves da doença.

As vacinas contra a covid-19 utilizadas no Brasil apresentam as seguintes taxas de eficácia:

Fiocruz/Universidade de Oxford/AstraZeneca®: eficácia para casos moderados e graves (Brasil, Reino Unido e África do Sul): 70,42%;

Instituto Butantan/Sinovac (CoronaVac®): eficácia para casos moderados e graves: 50,39%;

Janssen Pharmaceuticals®/Johnson & Johnson® (Ad26.COV2. S): eficácia para casos moderados e graves: 66% (América Latina) e 72% (Estados Unidos);

Pfizer®/BioNTech® (Comirnaty®): eficácia para casos moderados e graves: 95%.


MANIFESTAÇÕES VASCULARES DAS VACINAS CONTRA A COVID-19: Eventos tromboembólicos arteriais e venosos: Smadja et al.3 avaliaram a ocorrência de TEV e TEA em pacientes submetidos a vacinação contra a covid-19, utilizando o banco de dados da VigiBase (Organização Mundial da Saúde [OMS]), e relataram que, no período de 13 de dezembro de 2020 a 16 de março de 2021 (94 dias), entre as 361.734.967 pessoas vacinadas, ocorreram 2.169 eventos trombóticos (795 venosos e 1.374 arteriais), sendo 1.194 com a Pfizer®, 333 com a Moderna® e 642 com a AstraZeneca®. A taxa de notificação de casos de TEV e TEA, durante o período, entre o número total de pessoas vacinadas foi de 0,21 (IC95%: 0,19% a 0,22%) casos de eventos trombóticos por 1 milhão de pessoas vacinadas/dia. Para TEV e TEA, as taxas foram respectivamente 0,075 (IC95%: 0,07% a 0,08%) e 0,13 (IC95%: 0,12% a 0,14%) casos por 1 milhão de pessoas vacinadas/dia. No Brasil, a taxa foi de 0,89 eventos para cada 100.000 doses aplicadas, inferior à taxa esperada para a população em geral. Portanto, o perfil de risco-benefício da vacina ainda é favorável para esses eventos4.

Síndrome trombocitopênica trombótica: Raros casos de plaquetopenia também foram relatados, e, apesar do perfil de risco-benefício favorável, alguns países da Europa passaram a não recomendar a vacina AstraZeneca® para mulheres abaixo de 55 ou 60 anos4. A explicação plausível para a combinação de TEV em sítios venosos atípicos (veias cerebrais e esplâncnicas) e trombocitopenia seria o desencadeamento de uma resposta imunológica contra o fator 4 plaquetário, que levaria a um grande aumento na ativação e no consumo plaquetários, de forma semelhante à trombocitopenia induzida por heparina, em indivíduos não expostos previamente às heparinas. Os níveis de dímero-D costumam estar muito aumentados, porém com níveis de fibrinogênio normal5,6. Essas tromboses ocorreram cerca de 4 a 24 dias após a administração da vacina5 e de forma predominante no sexo feminino, entre 20 e 50 anos de idade5,6. O quadro clínico costuma ser grave, e há relatos de mortalidade superior a 50%5,6.

Tanto a OMS quanto a Agência Europeia de Medicamentos emitiram parecer favorável, informando que os eventos são extremamente raros e que os benefícios da vacina AstraZeneca®, reduzindo a morbimortalidade relacionada à covid-19, superam em muito os seus potenciais riscos, o que reitera a importância da vacinação. Ademais, seu uso foi retomado nos países europeus. É necessário esclarecer que eventos tromboembólicos ocorrem natural e frequentemente na população geral, independentemente de vacinação.

Em geral, o número de eventos trombóticos graves associados à vacina AstraZeneca® variou entre 5,5 a 7,6 por milhão de pessoas vacinadas, caracterizando a raridade do evento7,8. Modelos matemáticos estimaram que o risco de trombose associado a essa vacina decresceu com o aumento da faixa etária, sendo inicialmente de 1,9 para 100 mil vacinados entre 20 e 29 anos e caindo para 0,4 para 100 mil vacinados acima dos 80 anos9.

Até abril de 2021, 7,98 milhões de doses da vacina da Janssen® foram aplicadas, com apenas 15 casos confirmados de STT7, sendo a maior incidência em pacientes do sexo feminino, com faixa etária menor que 50 anos. A Food and Drug Administration, até o momento, recomenda a manutenção da vacina da Janssen® em todas as faixas etárias, independentemente do sexo, com a observação de que deva constar, na bula, o risco de STT em pacientes do sexo feminino com menos de 50 anos de idade10.

Apesar de poucos relatos de eventos adversos relacionado à vacina Sputnik V®, ainda não utilizada no Brasil, ela apresenta uma tecnologia semelhante às vacinas AstraZeneca® e Janssen®, ambas associadas a STT, o que aumenta a possibilidade de ter os mesmos efeitos colaterais11. Porém, em estudo de fase 3, entre 21.977 adultos randomizados, apenas um paciente desenvolveu TEV, provavelmente relacionado a comorbidade preexistente12. Não houve relatos de TEV ou TEA em estudo de vida real com a Sputnik V®13.

Por fim, deve-se suspeitar de STT em pacientes com eventos tromboembólicos associado a plaquetopenia (<150.000/mm3) dentro de 28 dias após a vacinação. No manejo clínico, deve-se evitar o uso de qualquer heparina, dando-se preferência aos anticoagulantes de ação direta de uso oral ou fondaparinux. Nos casos mais graves, pode-se utilizar imunoglobulina humana endovenosa. O uso de corticosteroides também deve ser aventado em caso de atraso no uso da imunoglobulina humana10.

References

1 Sobreira ML, Marques MA. A panaceia dos anticoagulantes na infecção pela COVID-19. J Vasc Bras. 2020;19:e20200063. http://dx.doi.org/10.1590/1677-5449.200063. PMid:34178080.

2 Tan BK, Mainbourg S, Friggeri A, et al. Arterial and venous thromboembolism in COVID-19: a study-level metanalysis. Thorax. 2021;(10):1-10. http://dx.doi.org/10.1136/thoraxjnl-2020-215383.

3 Smadja DM, Yue Q-Y, Chocron R, Sanchez O, Lillo-Le Louet A. Vaccination against COVID-19: insight from arterial and venous thrombosis occurrence using data from VigiBase. Eur Respir J. 2021;58(1):2100956. http://dx.doi.org/10.1183/13993003.00956-2021. PMid:33863748.

4 Brasil. Ministério da Saúde. Nota técnica nº 441/2021-CGPNI/DEIDT/SVS/MS [Internet]. 2021 [citado 2021 ago 30]. file:///C:/Users/marcos.marques/Downloads/nota-tecnica-441-2021-cgpni-deidt-svs-ms%20(1).pdf

5 Greinacher A, Thiele T, Warkentin TE, Weisser K, Kyrle PA, Eichinger S. Thrombotic thrombocytopenia after ChAdOx1 nCov-19 vaccination. N Engl J Med. 2021;384(22):2092-101. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa2104840. PMid:33835769.

6 Schultz NH, Sørvoll IH, Michelsen AE, et al. Thrombosis and Thrombocytopenia after ChAdOx1 nCoV-19 Vaccination. N Engl J Med. 2021;384(22):2124-30. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa2104882. PMid:33835768.

7 European Medicine Agency [site da internet]. 2021 [citado 2021 ago 30]. https://www.ema.europa.eu/en/news/astrazenecas-covid-19-vaccine-ema-findspossible-link-very-rare-casesunusual-blood-clots-low-blood

8 Yellow Card Scheme [site da internet]. 2021 [citado 2021 ago 30]. https://yellowcard.mhra.gov.uk/

9 Elalamy I, Gerotziafas G, Alamowitch S, et al. SARS-CoV-2 vaccine and thrombosis: an expert consensus on vaccine-induced immune thrombotic thrombocytopenia. Thromb Haemost. 2021;121(8):982-91. http://dx.doi.org/10.1055/a-1499-0119. PMid:33946120.

10 Centers for Disease Control and Prevention [site da internet]. 2021 [citado 2021 ago 30]. https://covid.cdc.gov/covid-data-tracker/#vaccinations

11 Lawton G. Sputnik V vaccine goes global. New Sci. 2021;250(3331):10-1. http://dx.doi.org/10.1016/S0262-4079(21)00671-0. PMid:33935343.

12 Logunov DY, Dolzhikova IV, Shcheblyakov DV, et al. Safety and efficacy of an rAd26 and rAd5 vector-based heterologous prime-boost COVID-19 vaccine: an interim analysis of a randomised controlled phase 3 trial in Russia. Lancet. 2021;397(10275):671-81. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(21)00234-8. PMid:33545094.

13 Pagotto V, Ferloni A, Mercedes Soriano M, et al. Active monitoring of early safety of Sputnik V vaccine in Buenos Aires, Argentina. Medicina. 2021;81(3):408-14. PMid:34137701.
 


Submitted date:
08/30/2021

Accepted date:
10/04/2021

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